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sábado, 25 de setembro de 2010

O Cobra

O Cobra era um um sujeito sem vulnerabilidades. Fiel cumpridor dos seus deveres, nunca questionou uma ordem da chefia. A máfia confiara a ele as mais difíceis e cruéis missões. Eu o acompanhei na sua última missão pelos Cantarellis. Instigante, seu olhar não se desviava um minuto sequer do itinerário. Não bebera água alguma, não almoçara e percebi ser tudo isso um ritual praticado por seu exímio instinto de caça. O rio seguia abaixo dos nossos olhos e os pneus cantavam vez ou outra a cantiga da pressa e da pulsação de um coração irrigado por seu sangue frio e ameaçador. Sede, sim, muita sede. Tinha pressa. Vi que não tragaria um só drink ou fumaria sequer um cigarro enquanto não obtivesse sucesso nas suas investidas. Sede, fome, total abstinência. Eu, iniciado no crime, começava a venerá-lo. Se não cumprisse o mandado, morreria a míngua, tive certeza disso. Para o réptil daquela organização era ele como um sumo sacerdote, levando as vítimas ao holocausto, mantendo alguém sempre no poder contra todas as tentativas de engodo dos seus planos. Policiais, militares, detetives, religiosos, líderes, políticos e até famílias inteiras já estiveram em sua mira inequívoca. Matava-os, sem cerimônia. O carro deixava ressoar o frenar das rodas no pátio de uma imensa mansão de composição neoclássica. A pouca luminosidade ameaçaria qualquer perito ao erro. Para ele, bastou o vulto e a sombra de um achegar a janela. Estilhaços e a queda do espectro vítreo tinha se consumado antes que deitasse os dois pés sobre as pedras do calçamento. No outro dia, fui saber do jornal que era a mãe de quatro filhos, uma senhora de sessenta anos. Um acerto de contas com outra facção. Não me abismei por isso... Pensei não perder a concentração nos meus propósitos. Contudo, o Cobra me surpreenderia ao saber que vitimara sua própria família em favor do seu intento. No último sábado, achei uma folha despreendida do seu caderno de anotações. Li e entendi suas atitudes. Queria chegar a chefia... Era um ideal para o qual não mediria esforços. Temi ao perceber o que o motivara a tanta crueldade...

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